24 de março de 2009

Monday, bloody Monday

Não, estimados leitores, esta bloguer não se dedicou à escrita de contos de terror. O que estão prestes a ler é um relato fidedigno dos acontecimentos da passada segunda-feira, dia 23 de Março do ano de 2009.
Recomenda-se discrição, pois as linhas que se seguem poderão provocar náuseas, tonturas, e mesmo terrores nocturnos aos espíritos mais sensíveis.

E começa:

08h45: Depois de uma noite repousante, não obstante os sonhos vívidos, desperto para dar início a toda a comoção que antecede a saída de casa: pequeno-almoço, toillete, higiene pessoal, etc etc.
09h45: Saio de casa, rumo ao Hospital dos SAMS.
10h10: Ainda a suar do susto de quase ter tido um acidente na CRIL, dou entrada na clínica de estomatologia, para uma consulta de cirurgia oral com a Dra. H.
11h00: Já folheei o Destak 20 vezes. Já mandei SMS a vários amigos. Já organizei a minha agenda. Já me fartei de esperar.
11h15: Uma voz feminina chamou o meu nome pelo altifalante. Como sempre, engasgou-se no apelido. O meu coração saltou um batimento. Apresso-me a arrumar a agenda na mala, enquanto limpo o suor das palmas das mãos às calças de ganga pré-lavada.
11h18: Acabaram-se os ‘bons dias’ e a espreitadela rápida à radiografia. Sentei-me na cadeira, com um babete azul-bébé atado ao pescoço. A Dra. H não demorou um instante a preparar os instrumentos. Parecia estar com pressa. Enquanto atestava a seringa de anestesia, repetia incessantemente este dente não tinha nada a ver com os outros, numa voz doce, excessivamente ameninada para o contexto. ‘Desta vez não pôs máscara siderúrgica’ - pensei para mim mesma, interpretando-o como um bom sinal.
O sacana saiu inteiro e ensanguentado. Estou a olhar para ele enquanto escrevo esta crónica. A Dra. H recomendou-me que o deixasse a marinar em água oxigenada durante umas horas, quando chegasse a casa. ‘Fica branquinho, branquinho, filha. Vai durar-te 20 anos’. Acenei com a cabeça e saí do gabinete, com o atestado numa mão e o bilhete de estacionamento na outra.
11h45: Mal tinha dado 20 passos quando começaram as dores. Parei para pedir gelo a uma enfermeira. O sabor metálico do sangue inebriava-me os sentidos, e só queria chegar a casa para me reencontrar com o Nolotil, velho companheiro das excursões à Dra. H.
14h30: Depois de sorver o almoço, atenciosamente preparado e triturado pela minha mãe, segui para a Loja do Cidadão das Laranjeiras. Estavam reunidas as condições necessárias para tratar dos papéis para a mudança de morada nos documentos: um dia de baixa e a ausência de dores, cortesia do analgésico.
14h45: Nervosamente, procuro a carteira por entre a parafernália da minha mala castanha. O arrumador, cansado de ter a mão estendida, olha-me fixamente pelo vidro fechado do carro, num misto de impaciência e raiva. Volvido um momento, apercebo-me de que não tenho a carteira, nem o telemóvel. Veio-me à memória a mesa de jantar da sala, onde os deixei depois do almoço. ‘Merda!’. Faço marcha-atrás, e inicio o caminho de regresso a casa. Pelo retrovisor, vejo o arrumador desenhar gestos ordinários no ar, enquanto me chama nomes.
15h15: Explico a minha situação ao cavalheiro do balcão ‘perdi a carteira’. Ele passa-me a senha J0015, enquanto murmura com ar enfadado ‘olhe que está demorado…’. Olhei para o quadro luminoso: J0010.
18h03: Agora, posso dizer que conheço bem as Laranjeiras. Comprei uma bolsa de cintura para a minha mãe, numa das três lojas de chineses do bairro, e uma bolsa toilette para mim, no mesmo centro comercial em que tirei as fotografias tipo passe, que me disseram ser necessárias para a carta de condução. Comi uma torrada de carcaça muito jeitosa no café em frente, acompanhada por um UCAL fresco, por um preço que considerei muito razoável. Ainda tive tempo de assistir a uma zaragata no interior da Loja do Cidadão, antes do mostrador apitar, e mostrar o que eu ansiava ver: J0015.
- ‘uui menina, isso não é aqui!’ – zurrou o mesmo funcionário que me tinha atendido em Outubro, quando perdi a carteira. Na altura, fiquei com boa impressão dele, porque era dos poucos empregados da Loja que não se deixava amargar pelo trabalho e, apesar do descontentamento generalizado dos utentes, permanecia jovial e educado.
Disse-me que fizeram um erro na triagem, e que ali só me podia tratar do Cartão do Cidadão e do Título de Registo de Propriedade, processo que encetou de seguida, fazendo acompanhar o encargo de 33€ com uma boa dose de conversa fiada.
À despedida, recomendou-me que passasse noutro balcão, para perguntar da Carta de Condução.
18h30: Revirei os olhos e soltei um queixume de frustração e desespero. Expliquei novamente à funcionária que estou à 6 meses à espera da Carta, e que preciso dela com a nova morada, para ter cartão de residente da EMEL, se não passo a vida a pagar parquímetro. A senhora replicou que não pode mudar a morada na guia, e tenho de continuar à espera que a Carta de Condução chegue pelo correio, ocasião em que o privilégio de passar mais uma tarde infernal na Loja do Cidadão das Laranjeiras estará novamente ao meu alcance - ‘Mas tenho informação de que já está em movimento, deve ser só mais um mesinho ou dois’.
Tenho lágrimas nos olhos. Odeio este sítio. É escuro, barulhento, e o ar é sufocante. Para agravar a situação, o efeito do analgésico está a passar, e sinto o sabor do sangue seco que se acumulou no canto direito da boca. ‘Acabou-se’ – murmurei para mim mesma –‘vou para casa’.
19h10: O trânsito congestionado, mas não parado. Encontrei um lugar de estacionamento óptimo, que não podia ser mais perto de casa. Permaneço no carro, com o motor desligado, enquanto espero o fim do ‘Nancy Boy’. Tenho por hábito não deixar as músicas a meio. Nisto toca o telemóvel. Era o funcionário simpático. Disse, com ar embaraçado, que se esqueceu de tirar o meu Cartão do Cidadão da maquineta leitora do chip, e que tenho de voltar lá para o ir lá buscar. ‘A senhora também não me lembrou! Se quiser pode passar cá agora, que estamos abertos até às 19h30’. Creio que esta última afirmação teve um efeito bastante diferente do pretendido. Dilataram-se as narinas, eriçou-se o cabelo, e soltei todo o meu veneno. Fui amarga, não mal-educada.
19h15: Saquei da agenda. E escrevi no espaço de sexta-feira, à hora de almoço: ‘buscar Cartão do Cidadão às Laranjeiras’.

3 comentários:

Anónimo disse...

Tens toda a minha simpatia! M

Mariana disse...

daaa-se! Que dia dos infernos. E ainda falta um. Coragem, baby!

c disse...

ah... nada como uma dose bem aviada de burocracia à portuguesa!... ainda tivesses dentes do juízo e não te tinhas metido nisso depois de uma manhã tão... traumatizante! ;)