18 de março de 2009

Project Storyboard V

Jaime desaparecera durante a noite.
A polícia seguiu os seus passos até à Feira Popular, altura em que os relatos das testemunhas se tornaram contraditórios e inverosímeis. As poucas pistas com pés e cabeça revelaram-se infrutíferas, e pouco tempo depois a polícia abandonou a investigação, arquivando o processo numa pequena caixa de cartolina castanha, com o nome ‘Jaime Morais’ e a data do desaparecimento escritas do lado, com um marcador grosso.
Júlia voltou muitas vezes à Feira Popular. Faltava à escola e passava as tardes escondida perto do portão de entrada, à procura de Jaime.
Durante muito tempo, chorava até adormecer, desesperada de medo e saudade, recusando-se a admitir a ideia, a possibilidade, a certeza, de não tornar a ver o irmão.
Volvido um mês, numa das tardes em que estava escondida à porta da Feira, Júlia viu entrar o moço que lhes tinha vendido os bilhetes para Casa dos Mistérios. Era um cigano alto, de constituição forte, pele morena, e olhos e cabelos negríssimos, como os de Jaime.
O coração galopava-lhe no peito. Vieram-lhe à memória as histórias que contava ao irmão na sua meninice, e quis acreditar que Jaime tinha fugido de casa para se juntar ao que pensava ser a sua verdadeira família.
Na manhã seguinte, roubou dinheiro da carteira da avó, e assim que se conseguiu evadir-se da escola, desatou numa correria até Entrecampos. Ia comprar um bilhete, procurar o cigano, e recuperar Jaime.
Mas quando chegou aos portões da Feira, viu que esta estava encerrada. Sem dar por isso, o Verão tinha dado lugar ao Outono e, da noite para o dia, toda a gente, toda a vida, toda a cor do recinto desaparecera, e este parecia tão vazio quanto ela se sentia.
Largou o dinheiro, que trazia amachucado na mão, e deixou-se cair no chão a soluçar.
Quando começou a anoitecer, secou as lágrimas, levantou-se, e foi para casa.
Levou uma grande tareia por roubar e faltar à escola, e foi para a cama sem jantar.
Mal aterrou na cama, Júlia explodiu num misto de mágoa e arrependimento, fardos demasiado pesados para a sua idade e constituição, e só parou de chorar quando esgotou as lágrimas.
Nessa noite Júlia morreu, e muitos anos se passaram antes que ousasse renascer.

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